Foi bem assim, devagar,
entende? Eu estava andando pela Avenida Cupecê, lá na Cidade Ademar,
quando eu
a vi entrando na igreja. Ela estava toda nua e estava sozinha. Era uma morena
de aproximadamente 1.70 de altura com os cabelos cacheados e cumpridos até a
cintura. Pensei até que fosse pegadinha ou propaganda de televisão. Dois dias
depois descobri que o Carlos a conhecia, e ele me disse que o nome dela era Penélope.
Achei estranho, pois nunca conheci ninguém com o nome de Penélope, a não ser a
do desenho animado. Contei o fato ao Renato, e, de imediato ele desmentiu o
Carlos e disse que esta menina estudava no Leonor Quadros, uma escola pública
da Cidade Ademar, e que o nome verdadeiro dela era Amélia e que estava muito deprimida
por ter acabado o seu casamento. Semanas se passaram e eu encontrei a Suzi, e
sem querer ela tocou no assunto da mina que entrou nua na igreja. Ela disse que
conhecia a irmã dela, e disse que tinha ficado louca depois de um acidente de
carro na Avenida 23 de maio. Suzi disse que a mina se chama Ester, em homenagem
a mulher da bíblia, já que seus pais eram evangélicos e depois disto nunca mais
ouviu falar dela e, que a última vez que a viu foi neste vídeo que viralizou
na internet. Não falei a ninguém que a tinha visto, apenas fiquei curioso, e
descobri que ela tinha três nomes, ou três histórias diferentes de quem
supostamente a conhecia. Foi aí que resolvi tirar esta história a limpo. Fui até a
igreja e ao adentrar logo na porta, uma morena muito simpática sorriu e me deu
um jornal junto com um papel com uma mensagem bíblica. Reconheci aquele rosto
singelo das semanas anteriores, um olhar profundo que enaltecia sua bochecha
rosada, um vestido justo e delicadamente comportado junto a um lenço que cobria
seus cabelos cacheados. Sem palavras agradeci o jornal e o pequeno panfleto e
me senti completamente nu, e renovado ao vê-la daquele jeito, vestida. Não contive a
curiosidade e perguntei: “Qual é o seu nome? Um breve olhar foi a resposta
completada pelas palavras singelas. “Não preciso de nome, só preciso ser”, disse sorrindo. Agradeci e fui embora.Álbum de fotografias, memórias, facebook e a felicidade falsa
Lembro de uma aula do
professor de história Ivanir, na antiga 6ª série, pois ele nos mostrou uma foto
em nosso livro, que se tratava de uma imagem pré-histórica desenhada pelos
homens de cro magnon há milhares de
anos. A imagem era de vários homens caçando e no centro do desenho tinha um
animal que seria a caça, e o professor nos explicou que aquele registro era
importante para a nossa história pois retratava um modo de vida daquele povo,
pois a caça, era um evento social importantíssimo para a cultura e também para
a sobrevivência do grupo, pois a identidade não era individual, mas sim
coletiva, por isto as imagens geralmente eram de pessoas em grupo.
Aquela aula ficou marcada até
hoje, pois a nossa identidade é o que nos move dentro desta sociedade em que
vivemos, e nos tempos atuais ela é múltipla, como explica Stuart Hall, em seu
livro “A identidade cultural na pós modernidade”. Diante desta multiplicidade
de identidades que possuímos, algo me incomodou muito nos últimos tempos com a
declaração do renomado filósofo Leandro Karnal. Ele afirmou em uma palestra,
aliás, orientou a todos “a pararem de postar felicidade falsa no facebook”, e
isto foi compartilhado por milhares de pessoas, do próprio facebook, como uma
afirmação “feliz”, basta saber, se era do filósofo, ou da “felicidade falsa” de
quem compartilhava deste pensamento.
Quem sou eu para entrar em um
debate com Leandro Karnal, assistir ao seu vídeo no youtube que alguém
intitulou: “Para de postar felicidade falsa no facebook”, me incomodou muito.
Isto porque, ele fala de vários assuntos, citando Hamlet, O príncipe, entre
outros escritores, e no final solta esta frase polêmica, que eu ouso a
discordar do filósofo, pois o papel das redes sociais é exatamente este: postar
a felicidade, mesmo que seja uma felicidade idealizada, pois ela é a
possibilidade da construção de uma felicidade real, como a imagem dos desenhos
do homem das cavernas, afinal, nem todas as caçadas tinham sucesso, mas eram
idealizadas.
No passado, os álbuns de
fotografias, das nossas mães e avós, eram compartilhados apenas por parentes, e
entes mais íntimos da família, pois as pessoas sentavam na sala, em um café ou
lanche da tarde e ficavam ali, folheando as memórias “felizes” do passado.
Hoje, a felicidade é no presente, e constitui um novo conceito do homem moderno
com as tecnologias em tempo real.
Vários pensadores, filósofos,
escritores afirmam que, quanto mais nos conhecemos, mais devemos nos
entristecer, como Fernando Pessoa em seu Livro do Desassossego, ele faz as
seguintes afirmações: “...Fugir ao que conheço, fugir ao que é meu, fugir ao
que amo...” “... Parece-me que sonho cada vez mais longe, que cada vez mais
sonho o vago, o impreciso, o invisionável. ” “...Quanto mais me vejo rodeado,
mais me isolo e entristeço...”
Temos então que concordar com
tais pensamentos? Eu não posso me conhecer profundamente e me sentir feliz com
possíveis mudanças? Pelo filósofo e alguns pensadores não. Podemos citar também
Aristóteles, que ao passar por uma feira em Atenas e ao ver tantas coisas desnecessárias
sendo vendidas, falou que o homem não precisaria de nada daquilo para viver, em
outras palavras, não precisava de “coisas” materiais para serem felizes.
É claro que sabemos disto.
Temos plena consciência, ou deveríamos ter, que a felicidade real é a que nasce
dentro de cada indivíduo, dentro de um ambiente social adequado. O antropólogo
Roberto da Matta em sua obra “A casa, a rua e o trabalho”, é um retrato desta múltipla
identidade, pois o bem-estar social deve estar em harmonia nestes ambientes,
assim como o seu bem-estar pessoal-sentimental. Hoje as redes sociais é um novo
ambiente a ser estudado e analisado profundamente, e enquanto isto não
acontece, ignoremos o conselho de Leandro Karnal, pois continuaremos a postar a
nossa felicidade no facebook, mesmo que idealizada, afinal, há um verbo que não
foi analisado pelo filósofo: compartilhar, pois esta palavra tem um novo
contexto, em um novo tempo, mas Karnal não tem redes sociais, seria ele então
feliz, ou triste porque conhece a si mesmo.
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