Daqui exatamente um mês começaremos mais um ano. Isso se o Senhor de todasas esferas não resolver cassar nosso mandato por aqui, nos próximos dias. Chegamos, enfim, a dezembro. Um mês onde festas, tapinhas nas costas e asanta hipocrisia social estarão em alta.
O consumismo desenfreado, otrânsito ainda mais impossível, as filas intermináveis serão comesinhas nospróximas dias. Ah! Havia me esquecido da enorme procura por vagas emestacionamentos dos nossos shoppings. Por ela, hão de furar os nossos olhos,amassar o nosso carro, nos mandarem a lugares, aqui indizíveis, mas não háproblemas, porque estaremos "comemorando" o nascimento do Nazareno.
Nada contra o mês. Tenho muitos amigos que aniversariam por estas semanas ejá desejo a todos parabéns. Particularmente, nunca fui fã do Natal... Ceias natalinas, salvo exceções,são reuniões familiares insuportáveis. E rezemos todos para que a bebedeiranão faça de tal celebração um caos. Sempre lembro de um amigo que certa vez,mais de uma década atrás, disse-me que a família não é um grupo de pessoasque você escolheu.
Você, sim, foi o premiado. A aurora de um novo ano, vá lá... Até gosto da contagem regressiva, querepito normalmente embriagado, e dos fogos! Já tive o privilégio de curtir avirada do ano em lugares díspares. Do belo Rio de Janeiro à pacata Jacutinga(interior de Minas Gerais); de minha amada São Paulo, depois de ter"corrido" uma São Silvestre à romântica Buenos Aires. Ah! Mas como queria ter o poder de mudar as coisas com a simples troca dafolhinha na parede. Isso porque nossa vida e morte severina de cada dia,nada mais é do que um *Moto Perpetuo* de Paganini.
E a rotina a nos corroer,simples assim, como um punhal no peito. E o ritual de passagem que se espera de Dezembro é rotineiro. Comeremoslentinhas, trepados em cadeiras. Guardaremos, para quem conseguir achar,sementes de romã na carteira. Usaremos camisetas brancas em nome de uma pazintangível, quase utópica. Pularemos várias ondas do mar. E beberemos.Muito! Cada taça de champanhe, ou de preferência um bom Carmenère, para asdesilusões do ano que se encerra.
Dos amores perdidos, das palavras malditas e malditas e nos arrependeremos do silêncio ensurdecedor que emitimos,quando a situação exigia o berro de um pelotão. Ah! Nossos travesseiros. Osgrandes conselheiros que temos e que nunca nos abandonam. Derramaremoslágrimas, rogaremos ser pessoas mais humanas e desabafaremos, a exaustão,nossa podridão acumulada nos últimos meses, na luta que travamos com oDorian Gray que existe aqui, dentro de nós. Dezembro tem um quê de paradoxal. Na verdade é um poema. Ora uma elegia. Orauma ode. Seus 31 dias vão demorar, à medida que se aumenta a ansiedade. Paraquê?
A chegada do novo ano com o seu implacável Janeiro, mês da ressaca, dascontas e das perspectivas que poderão ou não (normalmente, não!) seralcançadas. Não pense, você, que sou um ser negativo. Tudo bem que tenho lido muitoAugusto dos Anjos ou Nietzsche. Mas, muito pelo contrário.
Apenas deixo correr em mim o sangue maturado de quem já muito viu. E depois do 1º de janeiro, virá o dia 2. E todos nós, resignados, voltaremosa trilhar os mesmos caminhos, amassar o mesmo barro com nossos pés.
E tudoprosseguirá até o dezembro vindouro. Até porque nunca devemos nos esquecerde uma antiga inscrição nos relógios europeus de séculos atrás: "Vulnerantomnes, ultima necat. (Todas - as horas - ferem, a última mata)".1 XII 2007 --
Sylvio Micelli