É por isso que não podemos “ir” sem direção, mas na direção de nossos sonhos para que não possamos cair.
Lucia
era uma menina de 50 e poucos anos. Quando adolescente, ela era uma das mais
belas e desejadas pelos garotos do bairro; da escola e das festinhas que
frequentava. Aprendeu a fumar muito cedo e teve vários namorados, alguns foram
breves e outros duradouros.
Conhecia
a Lucia desde quando era pequeno, bem criancinha. Sempre a via tomando algumas
doses de hi-fi ou pinga com groselha, coisa dos jovens dos anos 70 e 80. Quando
a conheci no bairro, ela já não era tão bela, apenas simpática com seu sorriso
com poucos dentes. A família da Lucia é uma das mais antigas da região e todos se
comoviam quando encontravam Lucia na calçada com umas doses a mais na cabeça,
chamavam seus irmãos imediatamente para socorrê-la.
Uma
vez, na entrada de um Ano Novo, lembro-me da Lucia brigando com um dos seus
namorados, ela pegou uma esponja bem grande que estava jogada em um canto da
calçada e começou a “bater” no seu “amor” com a esponja, que estava toda suja,
e o rapaz, corria gritando: “ai, ai, ai...” Toda a molecada começou a rir
daquela cena hilária.
De
vez em quando a encontrava na rua ou na padaria e, quando estava lúcida, antes
de começar a sua rotina de beber, me cumprimentava e perguntava se eu estava
bem, assim como os meus pais. Respondia que estava tudo bem e retrucava a ela, com
a mesma pergunta. E você? Ela dava rizada e com alegria respondia: “Vou indo”.
Às
vezes ela conversava com todos da vizinhança como se fosse uma adolescente,
pois Lucia tinha poucos amigos e puxava assunto sempre com os moradores mais
antigos e também com as crianças, e, várias vezes, à tarde a encontrei caída na
calçada após ingerir poucas doses. Ela já não aguentava beber, estava fraca.
Interessante,
tenho mais amizade com seus irmãos e, eles nunca me convidaram para ir a sua
casa, tomar um café. No último sábado, Lucia passou em frente de casa e
começamos a conversar, ela falou de sonhos simples, de uma dentadura ou algum
implante dentário, falou também sobre a possibilidade de arrumar alguém que a
queira. “Quem sabe eu arrumando a boca alguém possa me querer”, disse dando
risada bem alta. Em seguida, viu meu filho e disse para levá-lo até o quintal
de sua casa para ver uma pata e suas 10 galinhas e vários pintinhos no fundo de
seu quintal.
Eu
me empolguei com a ideia, e à tarde fomos eu e o João Vitor de apenas dois anos
para ver as aves. No portão, fomos recepcionados por um de seus irmãos, pois a
Lucia já não estava em casa e, adentramos até o fundo onde estavam os penáceos.
A pata ficava em um local exclusivo já a
galinhada ficava solta pelo quintal. Ficamos uns 15 minutos e saímos, o João
adorou ver todos aqueles animaizinhos ciscando pra lá e pra cá. Não vimos mais
a Lúcia.
No
último domingo, Lucia saiu mais cedo de casa, e após sair de um bar qualquer,
andando pelas ruas, caiu em frente à igreja, bateu com a cabeça no chão e ficou
ali, na calçada. Alguns pensaram que estava bêbada, outros acharam estranho e
resolveram chamar a ambulância. Socorrida, Lucia não resistiu aos ferimentos e
se foi, como ela dizia... “Vou indo, e foi”. Seus sonhos não se concretizaram,
mas houve uma pequena comoção por Lúcia. A criança de 50 e poucos anos, que deixou
de herança a sua maior riqueza, a educação, respeito e sonhos, que infelizmente
não chegaram a serem realizados, mas reuniu dezenas de pessoas que compareceram
à sua despedida e se foi. E é por isso que não podemos “ir” sem direção, mas na
direção de nossos sonhos para que não possamos cair. Fique em paz Lúcia. God
Bless.
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