Um artigo muito pertinente que saiu hoje no jornal O Estado de São Paulo, esclarece porque a PEC 37 não deveria ter sido derrubada e, que foi, de forma errada apelidada de "lei da impunidade". Era exatamente ao contrário, pois se, aprovada, exigiria maior investigação dos casos pelos delegados, desta forma, seria necessário um maior aparato de pessoas capacitadas para fazer o serviço que compete à policia, que é investigar. Será que o Ministério Público e suas instâncias vão dar conta de fazer investigações com milhares de processos parados? Pois é né! O assunto era tão importante e não foi debatido. Os deputados com medo, retiraram o tema da pauta de imediato e o povo comemorou, sem saber o quê.
IVES GANDRA MARTINS *
Em preciso, incisivo e gráfico editorial, o Estado de 30/6
(A3) sustentou que a derrubada da PEC 37 por oportunismo político terá efeitos
desastrosos. Da análise dos argumentos lá expendidos, como das manifestações
inúmeras de constitucionalistas, ministros do STF - na ativa ou aposentados - e
do texto da Constituição federal (CF) se percebe que, efetivamente, a decisão
foi, sem maiores estudos, tomada por um Congresso acuado pela multidão, que
desconhecia o que a PEC propunha.
Pessoalmente, em palestras e artigos, sempre me manifestei
no sentido de que aquela proposta de emenda era rigorosamente inútil. Afirmava
o que já estava na Constituição e não tirava do Ministério Público (MP) poder
que nunca teve.
A polícia judiciária não é um órgão subordinado ao MP, mas
ao Poder Judiciário. O artigo 144, § 4.º, da CF - cuja redação é a seguinte:
"às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e
a apuração de infrações penais, exceto as militares" - em nenhum momento
estabelece que as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações
penais pertencem, simultaneamente, ao Poder Judiciário e ao MP. Declara apenas
que são do Judiciário.
Não sem razão, o presidente do Tribunal de Justiça de São
Paulo, desembargador Ivan Sartori, em entrevista ao Estado, declarou que a PEC
37 não pretendia retirar nada do MP, pois não se retira de alguém algo que esse
alguém não tem.
As competências do Ministério Público não são idênticas às
do Poder Judiciário. A Constituição federal outorga ao Judiciário o dever de
julgar, correspondente ao disposto nos artigos 92 a 126 da CF (capítulo III do
Título IV). Para completar as "funções essenciais à Justiça" - é esse
o enunciado do capítulo IV do Título IV da Lei Suprema - prevê que duas
instituições conformam o tripé da prestação jurisdicional, a saber: o
Ministério Público (artigos 127 a 132) e a advocacia (artigos 133 a 135).
Estão em igualdade de condições. Numa democracia, o MP tem a
função principal de acusador, em nome da sociedade, e a advocacia, a função de
defendê-la. Por essa razão, como cláusula pétrea, imodificável, o constituinte
garantiu que a defesa, nos processos administrativos e judiciais, deve ser
ampla (artigo 5.º, inciso LV). O uso de adjetivo com tal densidade ôntica não
foi despiciendo, mas garantia absoluta de que tal direito, o de defesa, é um
dos sustentáculos de um regime democrático, posto que inexistente nas
ditaduras. Por isso tal disposição é cláusula pétrea da Carta Magna, não
podendo ser alterada nem por emenda constitucional (artigo 60, § 4.º, inciso
IV).
As funções dessas duas instituições são, pois, iguais
(advocacia e Parquet) e dependem do Poder Judiciário para a solução dos
conflitos.
Ora, o delegado é membro da polícia judiciária. Não é
polícia do MP. Por essa razão, deve presidir o inquérito policial, devendo
remeter suas conclusões ao magistrado, a que se subordina, e não ao titular do
direito de acusar. Este, pela própria Constituição, pode requisitar investigações
aos delegados e acusar os delegados suspeitos de prevaricação (artigo 129,
incisos VII e VIII) - não mais que isso, visto que são parte nas investigações
e não podem ser "parte" e "juiz" ao mesmo tempo.
Assim é que a própria Lei 12.830, de 20/6/2013,
regulamentadora da investigação criminal, dispõe que as funções de polícia
judiciária e de apuração de infrações penais são exercidas exclusivamente pelos
delegados (artigo 2.º), cabendo-lhes a condução da investigação criminal (§ 1.º
do artigo 2.º). Como se percebe, nunca estiveram os membros do MP incluídos
entre os que podem dirigir a investigação. A própria lei mencionada diz que não
estão, referindo-se apenas aos delegados. Até porque, se os tivesse incluído, a
lei seria inconstitucional.
Por essa razão, constitucionalistas do porte de José Afonso
da Silva, Nelson Jobim, Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello já se manifestaram
no sentido de que não cabem ao Ministério Público funções policiais, até porque
não é preparado para tanto. Os delegados, sim. Os membros do Parquet têm outras
funções - relevantíssimas -, que estão explicitadas no artigo 129 da Carta
Suprema do País.
Como se percebe, a derrubada da PEC 37 nada representou,
pois o artigo 144, § 4.º, da Lei Suprema não foi alterado, continuando a prever
que a polícia judiciária - não o MP - é constituída apenas por delegados de
carreira, os únicos com competência constitucional para conduzir as
investigações criminais.
O acuado Congresso, que pouco antes aprovara lei na linha da
PEC 37 a fim de atender ao clamor da multidão, que desconhecia o tratamento
constitucional e legal do tema, derrubou a desnecessária proposta. Aprovada ou
não, não modifica a clareza do artigo 144, § 4.º, da CF, ao estabelecer que
apenas aos delegados cabe a apuração de investigação criminais.
Termino este breve artigo reiterando que o Ministério
Público deve cuidar de suas relevantes funções, e não pretender invadir funções
de outras instituições, para as quais não são devidamente preparados promotores
e procuradores.
O povo foi às ruas contra a corrupção. O MP declarou que a
PEC 37 era a PEC da Corrupção, como se todos os delegados fossem corruptos e
todos os membros do MP, vestais. E o povo, contrário à corrupção, pensou ser
verdade a marqueteira afirmação. Como o tempo é o senhor da razão, e como a
Constituição não foi mudada, à evidência continuam os delegados a ser os
representantes do Poder Judiciário e continuarão os membros do MP sem
competência para conduzir as investigações criminais, a teor do que dispõe o
artigo 144, § 4.º, da Lei Suprema. Cumpre-lhes, todavia, exercer suas
relevantes funções, que não são poucas, em prol da sociedade. Mas apenas estas
(artigo 129).
* IVES GANDRA MARTINS É PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE
MACKENZIE, DAS ESCOLAS DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO, SUPERIOR DE
GUERRA E DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – 1ª REGIÃO..