Olha moço estou aqui desde às 8h e até agora não fui atendida. Por favor tenha calma, todo mundo vai ser atendido, é que hoje tem muita gente. Como assim, minha mãe já é idosa e não pode ficar muito tempo em pé e não tem lugar pra sentar. Pessoal! Quem é acompanhante por favor deixe o lugar para quem vai ser atendido! Obrigado. Nossa ninguém levantou mãe, acho que todo mundo aqui é maior de 65 anos. Dona Clarisse Albuquerque! Éa senhora mãe, vamos lá! Pois não! A minha mãe aqui está com dor no ouvido e nas juntas. Que tipo de dor? Que tipo de dor mãe? Uma dorrrr... Sente dor no corpo, dói a coluna? Dói, não dói mãe? Dói! Desde quando? Desde... Ano passado. E só agora veio ao médico? Pensei que era nada, todos os dia dói alguma coisa né mãe? Volta para recepção e marca estes exames. Brigada! Tchau! Oi, tenho que marcar esses exames. Só um minuto. Então menina você viu o cabelo da Carol? Não, está muito engraçado, ela pintou de vermelho. Vermelho? Nossa! E o vestido que ela veio hoje? É deste tamanho! Escuta! Por favor, vocês ficam conversando com tanta gente para atender! Calma senhora, pra quando quer os exames? Pra semana! Não tem vaga, só para Dezembro. Como assim? Vamos ter que esperar oito meses? Infelizmente. Tá vendo mãe? Então marca. É pra sexta-feira às 13h45. Chega com uma hora de antecedência. Ok. Pronto mãe.
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Macacão na escola? Nãooo...
Sim! Eu tenho um macacão. Por muito tempo pensei que fosse coisa chique, afinal paguei a bagatela de R$ 160,00 há quase 10 anos. E é de marca! É da Levi’s. Coisa boa! Porém, todas às vezes que tentei usar o estas vestes, típicas dos jovens dos anos 60 ou 70, me dei mal. Aliás, é bom explicar que adquiri a tal roupa ainda neste século, mesmo que alguns acham que acabei privilegiado com a doação de roupas de parentes de algum defunto, isso não! É pura calúnia! Outras chegaram a firmar que comprei na porta da igreja por R$ 1, etc. É pura maldade alheia! Pura inveja!
Mas devo confessar que a tal roupa me coloca em calças justas! A primeira vez que a utilizei foi num emprego novo. Foi em uma assessoria de imprensa. Era sexta-feira, dia do casual day, onde todos podem mais à vontade, então resolvi ir de macacão. Ao entrar na sala já ouvi risinhos... Burburinhos e meu chefe me convidou para ir até a sala dele. Discretamente ele me recomendou que voltasse para casa para trocar de roupa, pois teria que entrevistar o Paulo Maluf à noite para uma revista especializada. Disse-me que não era veste apropriada para trabalho, mesmo no casual day!
Outro dia, uma amiga foi até em casa e queria uma roupa emprestada. Aí achei estranho! Uma mulher querendo uma roupa minha, pega mal, naqueles segundos antes de perguntar o que seria, passou um monte de coisas na cabeça. Fiquei em silêncio e esperei que ela me pedisse: “Eu sei que você tem um macacão, você poderia me emprestar?” Como assim? Pensei! Como ela sabia que eu tinha um macacão? “Com certeza todos os vizinhos, amigos, a rua toda sabia...” Respondi: “Claro é pra quando?” “É pra hoje, é festa junina na escola, e tenho que ir fantasiada”. Sim, sim... Emprestei meu macacão, afinal, é uma fantasia!
Depois de um tempo deixei o macacão lá guardado no guarda-roupa. Teve um dia que não resisti e resolvi ir para escola dar aula de macacão para as crianças da 6ª série. Não prestou.
Na idéia dos pequenos, macacão quem usa são os seguintes personagens: Mario Bros, Fofão e Chaves. Alopraram-me. Quando pus o pé na escola, já começaram: o professor vei fantasiado de chaves! Outros retrucavam: “Não, não, é o Mário Bros, e, ainda pior... É o Chaves!”.
Aquele dia eles tiveram que escrever muito, por conta disso, passei lição até umas horas pra eles. Mas eles não respeitaram o Macacão! Estes dias ao abrir o guarda roupa ele estava lá.... Dobrado a espera da próxima festa junina, ou que a moda o ressuscite.
A cabeça...
O carro quebra e a cabeça dói. Lembrou da última noite que não foi boa. O que fazer às 2h da manhã em um lugar deserto? Ligou o rádio e percebeu que seu amigo tinha esquecido um maço de cigarros no banco de trás. Lembrou que não fumava há dois anos, mas seria a única coisa para aquecer o ar do carro, estava frio. A cabeça doia ainda mais e sem nenhum medicamento. O jeito era tentar ascender o cigarro. De repente o telefone toca, pela ansciedade apertou o botão errado e a ligação cai. O número era estranho, não conhecia. Tocou novamente, ao olhar era o mesmo número. Não sabia quem era. Alô! Quem é! Oi tudo bem! Vc esqueceu sua carteira em casa! Não tenho como voltar aí Jéssica, o carro quebrou na estrada. Você pode pedir ajuda por mim? Não tem orelhão por aqui, não tenho créditos, a gasolina está acabando. Jéssica... Jessica... Jéssica cadê você? A linha caiu. Um trago... Tosse... Dois tragos... Duas tosses... A bituca apagou. O cheiro de cigarro misturava com o frio dentro do carro. Ninguém passava pela via. Abriu a porta foi até uma árvore, abaixou o zíper e urinou... A cabeça doía. Luzes bem distante... Luzes se aproximam, cada vez mais e poderia ser uma ajuda. O carro para, desliga o motor e desce um sujeito gordo, e os botões da farda teimavam em não rasgar a camisa. Mãos na cabeça! Documento do Carro! Esqueci! O quê! Esqueci! Cadê o negócio? Não tenho! O quê? Não tenho nada não! O que é isto aqui? Mostrou uns plastiquihos usados. Lembrou que a Jéssica tinha feito no carro um dia antes! É traficante né? Cadê a arma? Não tenho! Cadê a arma rapaz? Não tenho não! Então ajoelha, vamos lá ajoelha, se não tem documento, não tem nome! Meu nome é Carlos! Sei... Apontou a arma e disparou. Um tiro seco na madrugada sem testemunhas. Carlos é empurrado e cai de rosto no chão! Na próxima vez eu atiro pra valer, esta foi só para te assustar. Ligou para alguém? Não tenho crédito... Sem crédito também? Nesse momento o carro de Jéssica para ao lado. O policial se despede: vai embora! A Jéssica diz: Entra aqui. Carlos obedeceu... E foram. A cabeça agora doía ainda mais.
O rádio
Acordei, liguei o rádio, tomei café, fui ao banheiro, tomei banho, fiz a barba, escovei os dentes, me troquei, peguei as chaves e desliguei o rádio. Abro o portão, abro a porta, liguei o rádio, dou marcha ré, fecho o portão, dirijo, para nos faróis, estaciono o carro e desligo o rádio. Cumprimento as pessoas, entro na sala, ligo o rádio, digito documentos, imprimo papéis, leio jornais, e desligo o rádio. Saio da sala, entro no carro, ligo o rádio, dirijo, estaciono na rua e desligo o rádio. Entro em um local, cumprimento as pessoas, e o rádio ligado, não escuto as vozes das pessoas, não escuto o rádio, ando pela calçada e entro no carro e ligo o rádio. Dirijo novamente e estaciono na garagem, chego em casa e me desligo.
A barata
Tudo aconteceu naquela noite. Os desejos estavam no esgoto. Foi quando uma música invadiu o ouvido. Era um blues. O pé da mesa não dava equilíbrio ao copo que teimava em derrubar a vodka. E já era a quarta dose. As pessoas a olhavam meio que... Cismadas com algo e podiam questionar: “Como uma mulher tem coragem de ficar sozinha neste lugar”. Não ligava. Assédio era constante. “Posso sentar com você?” “Não!”. Respostas secas sem pensar, magoar ou não, tanto faz. Se distraia olhando os quatro cantos da parede. Arquitetura rústica, vidros, quadros, garrafas, aquários com cobras mortas. Gostava do barulho... Risadas, cochichos, gargalhadas, conversas sobre amantes, conversas sobre amores, conversas sobre futebol, conversas sobre política, discussões e falações. Em um momento seu olhar se prende a uma barata que estava no corredor esquerdo, próximo do banheiro. No meio da multidão, ela conseguiu passar sem ser notada. Nem um pisão. Neste momento sua mente volta para a realidade. Lembrou de quanto estava apaixonada e como aquela morte foi tão estúpida. A barata começou a andar em sua direção, e começou a sorrir sem saber o motivo. No mesmo instante o sorriso desapareceu. Chorou. Ao secar uma gota. Respirou. Ao abrir os olhos a barata estava em cima da mesa. Bebeu o que faltava. Lembrou da cena do assassinato. A barata continuava parada em cima da mesa. Já estava sozinha. Chorou novamente. Levantou da mesa derrubando o inseto sem querer. Neste momento um pé a esmaga. Enxugou uma gota de lágrima discretamente com sua unha e saiu do local discretamente como uma barata.
V - A - Z - I - O
Sabe, de repente vem assim, um vazio. Aqueles dias que de tão cheio parece que acaba sem nada, sem novidades, sem uma boa conversa, sem bons lugares para ir, sem boas músicas para ouvir, pois todas parecem chatas. Ai penso: o chato sou eu.
Sabe, às vezes o dia é tão cheio... De coisas assim,tipo uma avenida sem farol vermelho, uma música legal no rádio, uma combinação de roupaa que escolheu às pressas e deu certo, um cd legal comprado em oferta, um bom dia de alguém com um sorriso alegre. Aí penso: que coisas pequenas.
Sabe, alguns dias dei tanta gargalhada, comprei sorvete de chocolate,tomei banho de chuva, brinquei com o cachorro no quintal por horas, briguei no telefone com uma pessoa do telemarketing de uma empresa qualquer, cumprimentei vários amigos e também fui cumprimentado. Ai pensei: foi um dia legal. Que tédio!
Aí penso: esse vazio que nos preenche faz parte de nossa essência.
Sabe, às vezes o dia é tão cheio... De coisas assim,tipo uma avenida sem farol vermelho, uma música legal no rádio, uma combinação de roupaa que escolheu às pressas e deu certo, um cd legal comprado em oferta, um bom dia de alguém com um sorriso alegre. Aí penso: que coisas pequenas.
Sabe, alguns dias dei tanta gargalhada, comprei sorvete de chocolate,tomei banho de chuva, brinquei com o cachorro no quintal por horas, briguei no telefone com uma pessoa do telemarketing de uma empresa qualquer, cumprimentei vários amigos e também fui cumprimentado. Ai pensei: foi um dia legal. Que tédio!
Aí penso: esse vazio que nos preenche faz parte de nossa essência.
História Infantil: Sem asas para voar
Taí um clichezinho que fiz para dar rizada...
Por Sérgio Pires
Voava rumo ao centro e minhas asas já não eram as mesmas. Ao voar pela Avenida Paulista senti que estava contra o evento. Pousei. Lá na esquina com a Augusta vi algumas pessoas que tentavam erguer voo em um tempo tão ruim. Começava a chover.
Por Sérgio Pires
Voava rumo ao centro e minhas asas já não eram as mesmas. Ao voar pela Avenida Paulista senti que estava contra o evento. Pousei. Lá na esquina com a Augusta vi algumas pessoas que tentavam erguer voo em um tempo tão ruim. Começava a chover.
Então decidi seguir os conselhos de Cecília. Em tempos de chuva é preciso voar por cima das nuvens. O problema seria como chegar até lá. Acho que não tinha forças o suficiente.
Ao meu redor algumas pessoas desistiram de voar e começavam a andar pela calçada. Segui a multidão enquanto a chuva aumentava ainda mais. Não tinha tempo de parar em algum local para me proteger, então resolvi arriscar a voar novamente, mesmo com uma das asas machucadas.
Aproveitei que ainda não estava trovejando e calculei o tempo. Acho que demoraria pelo menos uns cinco minutos para chegar no Departamento de Voo Humano. Onde estavam me esperando. Fica lá na região central, perto da Estação do metrô Santa Cecília.
Enquanto isso, Cecília me aguardava. A reunião estava prestes a começar. Caso não chegasse a tempo, poderíamos perder as asas. Foi isso que o secretário Gustavo comentou na carta. Tudo porque na última semana voamos por áreas onde o sistema não pode nos localizar, porém ao passar perto de uma torre, fui localizado, daí então começou uma perseguição. Descobrimos que aquela área teria que pagar pedágio das asas. “Ora, não pedi para nascer com asas”, disse ao policial. Porém ele retrucou: “Todos devem ter os mesmos direitos, pois tem gente que nasce sem asas. Daí, os que têm asas tem que pagar. Caso contrário elas serão amputadas”.
Amputadas! Nunca. Carregava o envelope do licenciamento das asas que é pago junto ao Departamento de Voo humano, todos os “asantes”, como são chamados os que têm asas, devem pagar, porém, muitos não têm dinheiro e acabam amputados e se tornam “andantes”, como a maioria.
Ao chegar no departamento, Cecília estava tremendo de medo, pois estávamos na frente do juiz e estavam me esperando com os comprovantes do licenciamento das nossas asas. Ao chegar, Cecília me vê e logo me abraça aliviada. Nosso filho Pedrinho sorri com minha chegada.
Ao entregar os documentos ao juiz, ele arregala os olhos, e diz: “Infelizmente vocês esqueceram de pagar o mês 3. Então serão punidos”. Cecília foi a primeira. Veio um oficial com uma ferramenta estranha, porém bem afiada. E de uma só vez decepou as suas duas asas. Eu fui logo em seguida. E, em menos de 1 minuto estávamos os dois sem as nossas asas. Cecília chorou.
Pedrinho apenas nos olhou e falou. Pai! Vocês agora estão que nem eu. Sem asas. Que nada muleke, agora é que vamos voar. Todos sorrimos.
Por onde andas?
Diga quem és e te direi por onde andas. Acho que te vi certo dia lá pelas bandas do centro. Estava numa loja. Logo que me viu, desapercebeu e saiu. Acho que já não é a mesma. Não te encontro nos meus lugares. Aqueles que você não sabia que iria.
Humm! Aquele show daquela banda que você não gostava, fiquei sabendo que você foi ver de novo. Aqueles lugares que eram teus e você gostava, hoje já não freqüenta, então por onde andas?
Na faculdade dizem que trancou a matricula; na rua, só o Kulinha te viu puxando um mato, dizem que pagou e saiu e ninguém mais te viu.
Lá na empresa disseram que pediu as contas e nunca mais apareceu. Estanho não ter mais onde ir, eu que sei. Acho que te vi também no mercado, mas tava longe, quando cheguei perto você tava pagando deu uma olhadela e saiu. Sempre odiou mercado.
Eu continuo sempre nos mesmos lugares, todos já me conhecem. Desde o meu bairro, na empresa, na faculdade, até no boteco. São sempre estes.
Nem na internet você é a mesma, nas comunidades te achava. A agora sumistes. Na sala de bate papo sempre te achava na sala 7, era místico, você dizia. Mas vopcê não entra mais.
No meu Orkut, não visita e nem deixa scrap, no blog nem faz comentários. Até virtualmente sumistes.
Este é o e-mail que te enviei, o único que sobrou. Ele voltou. Tu não tens nem endereço eletrônico mais. Por isso, vou guardar esta mensagem. Pois tu já não és, pois não anda em canto algum.
Humm! Aquele show daquela banda que você não gostava, fiquei sabendo que você foi ver de novo. Aqueles lugares que eram teus e você gostava, hoje já não freqüenta, então por onde andas?
Na faculdade dizem que trancou a matricula; na rua, só o Kulinha te viu puxando um mato, dizem que pagou e saiu e ninguém mais te viu.
Lá na empresa disseram que pediu as contas e nunca mais apareceu. Estanho não ter mais onde ir, eu que sei. Acho que te vi também no mercado, mas tava longe, quando cheguei perto você tava pagando deu uma olhadela e saiu. Sempre odiou mercado.
Eu continuo sempre nos mesmos lugares, todos já me conhecem. Desde o meu bairro, na empresa, na faculdade, até no boteco. São sempre estes.
Nem na internet você é a mesma, nas comunidades te achava. A agora sumistes. Na sala de bate papo sempre te achava na sala 7, era místico, você dizia. Mas vopcê não entra mais.
No meu Orkut, não visita e nem deixa scrap, no blog nem faz comentários. Até virtualmente sumistes.
Este é o e-mail que te enviei, o único que sobrou. Ele voltou. Tu não tens nem endereço eletrônico mais. Por isso, vou guardar esta mensagem. Pois tu já não és, pois não anda em canto algum.
O chuveiro
By Sérgio Pires
Não tinha o que fazer. Resolveu correr. Depois de um tempo, não tinha pra onde olhar, viu o mar. Voltou para casa. Não tinha o que vestir. Resolveu ficar em casa. Não tinha quem o escutasse. Ligou o rádio. Depois de um tempo, saiu. Voltou à tarde quando sua esposa já tinha chegado. Beijou, jantou e ligou o chuveiro. Sem se molhar, se olhou no espelho. Mãos, pés, calças, joelho, cueca, braços, camisa, perna... Jogados no chão. O vapor da água quente lembrava uma neblina, sem ver, se levantou, resolveu colocar a cabeça debaixo do chuveiro... Escorregou. Caiu com o queixo no piso molhado. Barulho! A esposa bate na porta. Ta tudo bem? Sem responder se levantou. Deixou a água bater em seu rosto. Abriu a boca e engoliu a água quente, como se fosse à cura. Ta tudo bem aí? Sentou no piso. A água agora batia em suas costas. Lembrou de onde vinha... De quanto a sua roupa estava suja. Pecado! Doía sua mente. Culpa. Ta tudo bem aí? Pegou a sabonete como se fosse um ritual. Esfregou o sabão no pinto, como se lavasse o pecado. Sorriu! Resolveu encostar seu corpo na parede e olhou para baixo a procura do membro. Não viu. Tou gordo. Ta acontecendo alguma coisa? Desligou o chuveiro. Lembrou que estava na rua quando resolveu se aventurar. Pegou um táxi. Pagou e deixou gorjeta. Andou pela calçada da augusta até encontrar uma sauna. Pague dez e ganhe uma dose grátis. Ouviu isso de um homem. Entrou. Nas escadas escuras desceu. Iluminação vermelha. Músicas de batidas rápidas se misturavam com a do coração. Vamos? Ouvir o convite de uma garota com cara de 13 anos. Ignorou. Pagou o que devia e bebeu o que tinha direito. Saiu. Sentiu-se mal. Depois de ser visto saindo daquele local por transeuntes, sentiu-se bem. Sorriu. Lembrou que o trabalho no escritório foi um saco. Demitiu o chefe. Demitiu o emprego. Começou a se enxugar. Devagar. Enrolou-se na toalha e abriu a porta do banheiro. Saiu. Ta tudo bem? Foi direto ao quarto e procurou por roupas sem marcas. Ta tudo bem? Tou falando com você! Vestiu uma camisa. Ficou mudo é? Voltou ao banheiro para resgatar as roupas sujas. Colocou-as no sexto onde a empregada iria lavar no dia seguinte. Por que você faz isso? Ligou a TV e começou a zapear. Me escuta! O que está acontecendo? Suspirou. Pensou... Palavras vazias são melhores recitadas na mente. Você é um otário, há tempos te observo. Fala comigo! O silêncio ainda era a resposta. Aconteceu alguma coisa? Porque você está assim? Virou o rosto a encarou agarrou-a pelo cabelo com força. Puxou-a para seu corpo e depois a jogou na parede. Beijou-a com força. Pediu desculpas. Ela, sem aceitar consentiu o prazer. Depois pediu desculpas a Deus. Ele confessou que não tinha mais trabalho. Ela confessou a gravidez. Ele disse estar contente. Ela resolveu ir ao chuveiro. Ele a seguiu. E no vapor da água quente ouviram a água cair sobre os corpos. Sem palavras, sem perdão, sem culpa. Foi isso que ele pensou em escrever.
Totonha
Marcelino Freire
Capim sabe ler? Escrever? Já viu cachorro letrado, científico? Já viu juízo de valor? Em quê? Não quero aprender, dispenso.
Deixa pra gente que é moço. Gente que tem ainda vontade de doutorar. De falar bonito. De salvar vida de pobre. O pobre só precisa ser pobre. E mais nada precisa. Deixa eu, aqui no meu canto. Na boca do fogão é que fico. Tô bem. Já viu fogo ir atrás de sílaba?
O governo me dê o dinheiro da feira. O dente o presidente. E o vale-doce e o vale-lingüiça. Quero ser bem ignorante. Aprender com o vento, ta me entendendo? Demente como um mosquito. Na bosta ali, da cabrita. Que ninguém respeita mais a bosta do que eu. A química.
Tem coisa mais bonita? A geografia do rio mesmo seco, mesmo esculhambado? O risco da poeira? O pó da água? Hein? O que eu vou fazer com essa cartilha? Número?
Só para o prefeito dizer que valeu a pena o esforço? Tem esforço mais esforço que o meu esforço? Todo dia, há tanto tempo, nesse esquecimento. Acordando com o sol. Tem melhor bê-á-bá? Assoletrar se a chuva vem? Se não vem?
Morrer, já sei. Comer, também. De vez em quando, ir atrás de preá, caruá. Roer osso de tatu. Adivinhar quando a coceira é só uma coceira, não uma doença. Tenha santa paciência!
Será que eu preciso mesmo garranchear meu nome? Desenhar só pra mocinha aí ficar contente? Dona professora, que valia tem o meu nome numa folha de papel, me diga honestamente. Coisa mais sem vida é um nome assim, sem gente. Quem está atrás do nome não conta?
No papel, sou menos ninguém do que aqui, no Vale do Jequitinhonha. Pelo menos aqui todo mundo me conhece. Grita, apelida. Vem me chamar de Totonha. Quase não mudo de roupa, quase não mudo de lugar. Sou sempre a mesma pessoa. Que voa.
Para mim, a melhor sabedoria é olhar na cara da pessoa. No focinho de quem for. Não tenho medo de linguagem superior. Deus que me ensinou. Só quero que me deixem sozinha. Eu e minha língua, sim, que só passarinho entende, entende?
Não preciso ler, moça. A mocinha que aprenda. O doutor. O presidente é que precisa saber o que assinou. Eu é que não vou baixar minha cabeça para escrever.
Ah, não vou.
In Contos Negreiros, pp79-81.Record, 2005
Capim sabe ler? Escrever? Já viu cachorro letrado, científico? Já viu juízo de valor? Em quê? Não quero aprender, dispenso.
Deixa pra gente que é moço. Gente que tem ainda vontade de doutorar. De falar bonito. De salvar vida de pobre. O pobre só precisa ser pobre. E mais nada precisa. Deixa eu, aqui no meu canto. Na boca do fogão é que fico. Tô bem. Já viu fogo ir atrás de sílaba?
O governo me dê o dinheiro da feira. O dente o presidente. E o vale-doce e o vale-lingüiça. Quero ser bem ignorante. Aprender com o vento, ta me entendendo? Demente como um mosquito. Na bosta ali, da cabrita. Que ninguém respeita mais a bosta do que eu. A química.
Tem coisa mais bonita? A geografia do rio mesmo seco, mesmo esculhambado? O risco da poeira? O pó da água? Hein? O que eu vou fazer com essa cartilha? Número?
Só para o prefeito dizer que valeu a pena o esforço? Tem esforço mais esforço que o meu esforço? Todo dia, há tanto tempo, nesse esquecimento. Acordando com o sol. Tem melhor bê-á-bá? Assoletrar se a chuva vem? Se não vem?
Morrer, já sei. Comer, também. De vez em quando, ir atrás de preá, caruá. Roer osso de tatu. Adivinhar quando a coceira é só uma coceira, não uma doença. Tenha santa paciência!
Será que eu preciso mesmo garranchear meu nome? Desenhar só pra mocinha aí ficar contente? Dona professora, que valia tem o meu nome numa folha de papel, me diga honestamente. Coisa mais sem vida é um nome assim, sem gente. Quem está atrás do nome não conta?
No papel, sou menos ninguém do que aqui, no Vale do Jequitinhonha. Pelo menos aqui todo mundo me conhece. Grita, apelida. Vem me chamar de Totonha. Quase não mudo de roupa, quase não mudo de lugar. Sou sempre a mesma pessoa. Que voa.
Para mim, a melhor sabedoria é olhar na cara da pessoa. No focinho de quem for. Não tenho medo de linguagem superior. Deus que me ensinou. Só quero que me deixem sozinha. Eu e minha língua, sim, que só passarinho entende, entende?
Não preciso ler, moça. A mocinha que aprenda. O doutor. O presidente é que precisa saber o que assinou. Eu é que não vou baixar minha cabeça para escrever.
Ah, não vou.
In Contos Negreiros, pp79-81.Record, 2005
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