Cocteau Twins e o lirismo de Treasure

O grupo inglês Cocteau Twins foi um fenômeno na Inglaterra nos anos 80 e a cena alternativa mundial, o que veio a se chamar “indie” nos dias de hoje. Eles nunca foram do tipo de banda que enchia estádios ou preenchia os tempos livres da MTV e também nunca venderam milhões de álbuns. Em vez disso, era uma banda conceitual no sentido real da palavra, tinha um estilo próprio com uma identidade ímpar da vocalista Elisabeth Fraser, que, com suas nuances vocais, fazia calmamente uma mudança fundamental na percepção, exercendo uma influência do lírico, com as nuances de guitarras, às vezes distorcidas, que era uma novidade para a sua época.

O grupo esteve junto durante 15 anos e acabou em meados de 1998, mas deixou um legado ímpar para seus fãs ao redor do mundo. Tive a oportunidade de vê-los no Brasil nos anos 90 no Projeto SP, na turnê do álbum Heaven or Las Vegas (1990). Foram vários álbuns marcantes, mas gostaria de destacar um em especial, o Treasure (1984). Um clássico. Para os amantes da boa música, não importa, o estilo, este álbum agrada a todos. Não é um disco pop, é um álbum de música no real sentido da palavra. Os músicos sempre rejeitaram este álbum, alegando que foi gravado às pressas, mas a imprensa e os fãs foram ao delírio, e consideram o melhor trabalho da banda, pois é o mais vendido.


Deixo aqui o link para este álbum obrigatório na discografia de qualquer um.

A mãe que comeu o filho

Texto e arte do livro "Crônicas e contos" de Sérgios Pires a ser lançada em 2016


É impossível uma pessoa morrer de fome no mundo, não consigo ter esta concepção, porém isto acontece, e o pior, ignoramos. Uma publicação cientifica, inglesa The Lancet, um veículo de fama internacional que, publicou um relatório, há quatro anos, afirmando que mais de 3 milhões de crianças morreram de subnutrição em 2011. É muito triste e temos que fazer uma reflexão séria, sobre o meio ambiente, consumo e também solidariedade.
Todos os programas governamentais atuais, começaram a partir do Fome Zero, pois a intenção de acabar com a fome do governo brasileiro é legítima, apesar de ter várias críticas.
Todos sabemos que o melhor não é dar o peixe, mas sim, ensinar a população a pescar. Infelizmente, muitos se esquecem, que para ir à pesca, são necessários utensílios que o povo não tem. E a população faminta só tem a vontade, mas não tem material para a batalha. É claro que sempre tem alguns que tiram vantagens e aproveitam da situação deixando de fora quem realmente precisa.
Hoje, com os refugiados da Síria, das pessoas que ainda estão lá, sofrendo, assim como dezenas de países que estão em conflitos, milhares de pessoas estão morrendo, não só de balas e bombas, mas de fome.
Há cerca de quatro mil anos, o povo de Samaria em Israel passava por grandes dificuldades por causa da seca e pela fome que assolava a região. O rei andava a cavalo pela região, quando ouviu a seguinte reclamação de duas mulheres que o interpelaram: "Esta mulher disse, dá o teu filho, para que hoje o comamos e amanhã comeremos o meu. Então cozemos o meu filho e no dia seguinte, eu disse: Dá o teu filho para que o comamos, e ela o escondeu. Ouvindo isso o rei (envergonhado) rasgou suas vestes e se vestiu de pano de saco" (2 Reis - 6:28,29,30) Mas tarde Deus proveria suprimentos na entrada desta cidade com farinha e cevada para saciar a fome do povo.

Estamos assistindo cenas horríveis de violência no mundo, não irei me espantar quando os seres humanos começarem a se transformar em canibais para sobreviver. Até o momento o antropofagismo é social, mas as roupas de saco quem veste no Brasil e em todo o mundo, não são os governantes, como em Samaria, mas sim o povo, que envergonhado assiste as pessoas morrerem de fome e tentamos esconder a nossa nudez, pois estamos parados e anestesiados vendo os fatos acontecerem sem agir.

Decida por Maria

Arte - Bodão - (texto e desenho fazem parte do livro "Contos e Crônicas" de Sérgios Pires que será lançada em 2016)


A dona Maria saiu para fazer suas compras no meio de semana, pela manhã, pois receberia visitas em sua casa à tarde. Precisava comprar café, açucar, arroz e feijão, produtos básicos que nunca faltaram em sua casa. Aliás, estes ítens nunca deveriam deixar de estar nas mesas de todos os brasileiros, pois o país já foi uns dos primeiros no mundo no cultivo destes produtos.
Então vamos voltar a dona de casa, que no caminho tinha que passar no banco para pagar as contas de água, luz, telefone, IPVA e IPTU. Apenas um detalhe: Maria tinha esquecido que naquele dia o ônibus tinha aumentado, quer dizer, reajustado, como dizem os nossos governantes.
Satisfeita por pagar suas contas em dia, foi ao mercadinho, pegou com carinho o café, o açucar, o arroz e o feijão. Ao chegar no caixa, uma surpresa, os trocados que sobraram das contas que foram pagas, eram insuficientes para levar os quatro produtos. O caixa exclamou: "A senhora tem que tirar um íten".
Dona Maria olhou o café e refletiu que não poderia dispensá-lo, pois receberia visitas em sua casa; o açucar estava ligado diretamente ao café e se não levasse o arroz e o feijão, não teria o que comer naquele dia. Enquanto isso a fila do caixa aumentava.
É vergonhoso ao Brasil deixar faltar estes produtos na mesa dos brasileiros. Não queremos que nenhum governo viabilize uma situação como esta, mas infelizmente sabemos que esta cena acontece todos os dias nos mercadinhos e nos grandes hipermercados do país. O governo deve incentivar a agricultura e fazer uma política para que estes produtos fiquem mais baratos, viabilizando uma política completa, que vai desde a logística para que estes produtos chegue até a nossa mesa, até o pequeno agricultor que faz o trabalho mais árduo.
A história de Dona Maria é uma ficção, qualquer semelhança com a vida de algumas pessoas é pura coincidência. Portanto, não sou digno de tirar qualquer produto da dona de casa, pois seria injusto, ela foi fiel ao Estado pagando suas contas e foi desprezada pelo governo, que a deixou passar vergonha na fila do caixa. Decida por Maria!

Feiras, suas cores e temperos





Os temperos já foram comparados ao ouro. Estas riquezas que dão “vida” aos alimentos são encontradas em feiras espalhadas pela cidade na sua forma mais pura, ao contrário dos supermercados.
(fotos tiradas na feira do Jardim Miriam em 16.01.2015)

Fazendo molho de pimenta

Se há uma coisa que realça os alimentos é a pimenta. Uma boa pimenta é irresistível e um bom molho transforma o alimento em um prazer imensurável.

Mineirinho - Clarice Lispector

O décimo terceiro tiro me assassina - porquê eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro. 

É, suponho que é em mim, como um dos representantes de nós, que devo procurar por que esta doendo a morte de um facínora. E por que é que mais me adianta contar os treze tiros que mataram Mineirinho do que os seus crimes. Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto. Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito, o mal-estar de não entender o que se sente, o de precisar trair sensações contraditórias por não saber como harmonizá-las. 

Fatos irredutíveis, mas revolta irredutível também, a violenta compaixão da revolta. Sentir-se dividido na própria perplexidade diante de não poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara demais; e no entanto nós o queríamos vivo. A cozinheira se fechou um pouco, vendo-me talvez como a justiça que se vinga. Com alguma raiva de mim, que estava mexendo na sua alma, respondeu fria: 'O que eu sinto não serve para se dizer. Quem não sabe que Mineirinho era criminoso? Mas tenho certeza de que ele se salvou e já entrou no Céu.' Respondi-lhe que 'mais do que muita gente que não matou'. Por que? 

No entanto a primeira lei, a que protege corpo e vida insubstituíveis, é a de que não matarás. Ela é a minha maior garantia: assim não me matam, porque eu não quero morrer, e assim não me deixam matar, porque ter matado será a escuridão para mim. Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me fez ouvir o primeiro tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina - porquê eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro. 

Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais. Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos. Até que treze tiros nos acordem, e com horror digo tarde demais - vinte e oito anos depois que Mineirinho nasceu - que ao homem acuado, que a esse não nos matem. Porque sei que ele é o meu erro. E de uma vida inteira, por Deus, o que se salva às vezes é apenas o erro, e eu sei que não nos salvaremos enquanto nosso erro não nos for preciso. 

Meu erro é o meu espelho, onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem. Meu erro é o modo como vi a vida se abrir na sua carne e me espantei, e vi a matéria de vida, placenta e sangue, a lama viva. Em Mineirinho se rebentou o meu modo de viver. Como não amá-lo, se ele viveu até o décimo terceiro tiro o que eu dormia? Sua assustada violência. Sua violência inocente - não nas conseqüências, mas em si inocente como a de um filho de quem o pai não tomou conta. Tudo o que nele foi violência é em nós furtivo, e um evita o olhar do outro para não corrermos o risco de nos entendermos. 

Para que a casa não estremeça. A violência rebentada em Mineirinho que só outra mão de homem, a mão da esperança, pousando sobre sua cabeça aturdida e doente, poderia aplacar e fazer com que seus olhos surpreendidos se erguessem e enfim se 3º ano Mineirinho Mineirinho Wilton fev/08 Nome: Nº: Turma: Português enchessem de lágrimas. Só depois que um homem é encontrado inerte no chão, sem o gorro e sem os sapatos, vejo que esqueci de lhe ter dito: também eu. Eu não quero esta casa. 

Quero uma justiça que tivesse dado chance a uma coisa pura e cheia de desamparo e Mineirinho - essa coisa que move montanhas e é a mesma que o faz gostar 'feito doido' de uma mulher, e a mesma que o levou a passar por porta tão estreita que dilacera a nudez; é uma coisa que em nós é tão intensa e límpida como uma grama perigosa de radium, essa coisa é um grão de vida que se for pisado se transforma em algo ameaçador - em amor pisado; essa coisa, que em Mineirinho se tornou punhal, é a mesma que em mim faz com que eu dê água a outro homem, não porque eu tenha água, mas porque, também eu, sei o que é sede; e também eu, não me perdi, experimentei a perdição. A justiça prévia, essa não me envergonharia. 

Já era tempo de, com ironia ou não, sermos mais divinos; se adivinhamos o que seria a bondade de Deus é porquê adivinhamos em nós a bondade, aquela que vê o homem antes de ele ser um doente do crime . Continuo, porém, esperando que Deus seja o pai, quando sei que um homem pode ser o pai de outro homem. E continuo a morar na casa fraca. Essa casa, cuja porta protetora eu tranco tão bem, essa casa não resistirá à primeira ventania que fará voar pelos ares uma porta trancada. Mas ela está de pé, e Mineirinho viveu por mim a raiva, enquanto eu tive calma. 

Foi fuzilado na sua força desorientada, enquanto um deus fabricado no último instante abençoa às pressas a minha maldade organizada e a minha justiça estupidificada: o que sustenta as paredes de minha casa é a certeza de que sempre me justificarei, meus amigos não me justificarão, mas meus inimigos que são os meus cúmplices, esses me cumprimentarão; o que me sustenta é saber que sempre fabricarei um deus à imagem do que eu precisar para dormir tranqüila, e que os outros furtivamente fingirão que estamos todos certos e que nada há a fazer. Tudo isso, sim, pois somos os sonsos essenciais, baluartes de alguma coisa. 

E sobretudo procurar não entender. Porque quem entende desorganiza. Há alguma coisa em nós que desorganizaria tudo - uma coisa que entende. Essa coisa que fica muda diante do homem sem o gorro e sem os sapatos, e para tê-los ele roubou e matou; e fica muda diante do S. Jorge de ouro e diamantes. Essa alguma coisa muita séria em mim fica ainda mais séria diante do homem metralhado. Essa alguma coisa é o assassino em mim? Não, é o desespero em nós. Feito doidos, nós o conhecemos, a esse homem morto onde a grama de radium se incendiara. 

Mas só feito doidos, e não como sonsos, o conhecemos. É como doido que entro pela vida que tantas vezes não tem porta, e como doido compreendo o que é perigoso compreender, e como doido é que sinto o amor profundo, aquele que se confirma quando vejo que o radium se irradiará de qualquer modo, se não for pela confiança, pela esperança e pelo amor, então miseravelmente pela doente coragem de destruição. Se eu não fosse doido, eu seria oitocentos policiais com oitocentas metralhadoras, e esta seria a minha honorabilidade. Até que viesse uma justiça um pouco mais doida. Uma que levasse em conta que todos temos que falar por um homem que se desesperou porque neste a fala humana já falhou, ele já é tão mudo que só o bruto grito desarticulado serve de sinalização. 

Uma justiça prévia que se lembrasse de que nossa grande luta é a do medo, e que um homem que mata muito é porque teve muito medo. Sobretudo uma justiça que se olhasse a si própria, e que visse que nós todos, lama viva, somos escuros, e por isso nem mesmo a maldade de um homem pode ser entregue à maldade de outro homem: para que este não possa cometer livre e aprovadamente um crime de fuzilamento. 

Uma justiça que não se esqueça de que nós todos somos perigosos, e que na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular, um longamente guardado. Na hora de matar um criminoso - nesse instante estásendo morto um inocente. Não, não é que eu queira o sublime, nem as coisas que foram se tornando as palavras que me fazem dormir tranqüila, mistura de perdão, de caridade vaga, nós que nos refugiamos no abstrato. O que eu quero é muito mais áspero e mais difícil: quero o terreno". 

(“Mineirinho”, de Clarice Lispector, Para não esquecer, Editora Siciliano)

Você acredita ou confia no sistema?

Nunca o tal “Sistema” foi tão importante como agora. Ele é superior a gerentes, chefes ou qualquer outro tipo de cargo em empresas multinacionais, ou mesmo em postos dos governos municipais, estaduais ou federal. O sistema é capaz de mudar a vida das pessoas e pode nos deixar na mão. Sim! Não há ninguém superior que ao tal “Sistema”. Antes achava que a definição de sistema era simples, como o Wikipédia o define: “Um sistema (do grego sietemiun), é um conjunto de elementos interconectados, de modo a formar um todo organizado”.
Organização. Esta é a palavra chave. Lidamos com ele em nosso dia a dia. Estes dias fiquei superdependente do tal “Sistema” e nem eu e nem ninguém conseguiu encontrá-lo e muito menos o fez mudar de ideia. Tudo começou quando liguei para a empresa de televisão por assinatura, falei com um fantasma e a voz metálica me obrigava a digitar um monte de números. Ela dizia: “se você quer comprar uma assinatura, digite 1, problemas de conexão, 2”... Quando chegou na opção 9 depois de um tempão, a voz mandou esperar para falar com um atendente. Esperei, esperei e nada. Depois de alguns minutos, ela aparece novamente porque a linha estava ocupada, e novamente repete as opções antigas já ditas, até a opção 9, e me pede para aguardar.
Daí então uma pessoa (verdadeira) me atende. Pedi para cancelar o serviço, e o atendente m diz: “Hoje não é possível, pois caiu o Sistema”. Como assim? Se caiu levanta! Aí o cara me pediu para ligar mais tarde até o Sistema voltar. Então esse tal Sistema cai e sai por aí e ficamos na mão!?. Mas isso não era nada do que estaria por vir mais tarde. Tive que ir ao banco 24 horas, fiquei cerca de 20 minutos na fila e quando chega a minha vez, aparece uma mensagem na tela: “Caixa sem Sistema”. Tá de brincadeira! Pensei. Tive que ir até uma agência bancária e, novamente peguei uma baita fila, porém deu tudo certo.
Ufa! O caixa nem mencionou o nome do Sistema. Então aproveitei o tempo e fui falar com a gerente da Pessoa Física, é o que dizia a plaquinha na mesa dela, e fui até lá para desbloquear o cartão de crédito. Sentei entreguei o cartão, ela digitou... Olhou feio para a tela do computador, digitou... Olhava feio, e digitava e olhava feio... E enfim me disse: Infelizmente não vou conseguir. Por quê? Indaguei. “Deu problema no Sistema”, ela me respondeu.
Fui embora e mais tarde entrei em uma loja para mudar o plano do celular. A atendente pegou meus dados e me apresentou as propostas. Ao pedir um desconto para um determinado plano, ela falou. “Não posso, o Sistema não deixa”. Como assim? Chama a gerente. Ela veio. “Gostaria de um desconto?”, perguntou a gerente. E então, ela me retrucou. “Infelizmente o nosso Sistema não permite, não podemos fazer nada”.

Notei que a sociedade aos poucos está sendo desconfigurada para a configuração do novo Sistema. À noite liguei a televisão e uma multidão de pessoas protestava nas ruas. Uns querendo um novo sistema, outros brigam pela a manutenção dele, enfim, o Sistema é poderoso, afinal ele dita as regras, e manda mais que os caixas eletrônicos, atendentes, chefes, gerentes, bancos... Alguns dizem que só há uma maneira para detê-lo, que é programando-o, configurando-o e gerenciando-o. Porém, basta cair à energia para o sistema cair. Cabe agora saber, quem é que vai cortar o fio.